Atentados públicos
O dia tinha começado bem…
(depois desta introdução já todos os leitores estão à espera de desgraça)
Mas o metro chegou já cheio de gente, e eu quase que ficava do lado de fora.
Sentia-me apertado, e comecei a ter reacções corporais.
Um espirro estava a caminho, e eu só me lembrava que a noticia principal do jornal gratuito do dia mostrava que os casos de gripe A estavam a aumentar em Londres.
E tão repentino veio o espirro que só tive tempo de virar a cara para o chão, que é como quem diz, para as pernas de um homem que estava colado a mim.
Não consegui efectuar a manobra de salvação ensinada em folhetos e na televisão: espirrar para o cotovelo.
Como reacção ao meu espirro, metade das pessoas na carruagem começaram a olhar para mim, e de repente senti-me mais à largueza.
Não sei como, nasceram 20 centímetros de distância entre mim e as pessoas mais próximas.
Conforme as pessoas iam voltando ao sono, à leitura dos seus jornais ou livros, senti que começava a perder as atenções.
Na mesma proporção senti os 20 centímetros de liberdade a encolherem.
Mas também era impossível continuarem a existir.
Tudo parecia voltar à normalidade quando os meus intestinos resolveram provar-me que não.
Era altura de libertar os gases criados pelos feijões comidos no dia anterior.
Num espaço de segundos as atenções daquela carruagem voltavam a mim.
Se quem estava a mais de três metros de mim não podia cheirar os gases libertados pelo meu corpo, os mais de 30 centímetros de largueza à minha volta denunciavam-me como o criminoso.
Só na estação seguinte e com a abertura das portas senti que tinha caído uma vez mais no esquecimento.
Se todas estas reacções me tivessem assolado em qualquer parte do mundo, sinto que seria acusado de atentado público.
Mas em Londres, só fui criminoso até à estação seguinte...