O David marcou o Chochas
O Chochas contou-me recentemente que da última vez que foi a Portugal a mãe, que trabalha numa espécie de lar, o obrigou a ir visitar um dos internados: um jovem de 20 anos.
“Filho, vais conhecer o David porque ele já viveu em Londres.
Coitado, a mãe trouxe-o para Portugal depois de ele se ter tentado matar com uma pistola.
Só que falhou.”
O Chochas fez logo uma espécie de filme e imitou-o a apontar a pistola à cabeça, de olhos fechados cheio de medo e a disparar.
Resultado: a bala apanhou-o de raspão afectando-lhe o cérebro.
Quando foi a Portugal, lá foi o Chochas visitá-lo.
“Então tudo bem?”, perguntou o Chochas, na maior das inocências, a um internado num lar.
Duas semanas depois da visita o Chochas recebeu um telefonema da mão:
“Filho, não sabes o que aconteceu. O David tentou matar-se outra vez.”
“E conseguiu?”, foi a pergunta óbvia do Chochas.
“Não!
Foi comprar uma pistola aos ciganos já depois de ter saído daqui, mas como eles viram que ele não percebia nada venderam-lhe uma de sinalização.”
Como daquelas pistolas só sai ar comprimido fazendo uma grande barulheira, desta vez o David ficou surdo.
O Chocas começou a ficar preocupado com a mãe.
“Oh mãe, esse gajo é um perigo.”
“Não é nada filho. O David é uma paz de alma.”
“É o quê? Ele qualquer dia ainda compra uma granada, tira a cavilha e esquece-se. Vai à casa de banho e sobrevive, ao contrário de vocês todos.”
“Pois… E se calhar foi por isso que o director do lar pediu para ele ser transferido para o Júlio de Matos.”
Algumas semanas depois deste telefonema o Chochas volta a receber outro da mãe.
“Sabes, filho, ontem fui visitar o David ao Júlio de Matos.
Ele agora tem uma namorada.”
“O quê? Isso vai acabar em suicídio em massa.
Ele ainda vai convencer os malucos todos a matarem-se.”
“Não digas isso que o David é bom rapaz e a namorada é bonita.”
“Porque é que ela está lá?”
“Tentou matar-se.”
Foi depois dessa resposta que a mente do Chochas começou a reflectir.
“A conversa entre os dois deve ser sobre as tentativas de suicídio de ambos.
Que devem ser muitas porque eu não acredito que só tenham sido aquelas duas.
O gajo já se deve ter tentado atirar à frente de comboios, abaixo de pontes e arranha-céus, e sobrevive sempre.
O gajo é um perigo.
Qualquer dia ainda se mata a tentar matar-se.”